quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Passar roupa

Eu bem que procurei pelo caderno lições sobre a tarefa de passar roupas. É difícil encontrar porque as folhas já estão quebradiças e há muitos recortes soltos e colados pelos cantinhos das páginas.

Mas ontem, enquanto enfrentava tarde da noite a pilha das roupas do meu filho, fiquei pensando no caderno, pensando nessa tarefa, botando reparo na má qualidade do meu serviço. E foi engraçado. Porque percebi que passar roupa, que faço automaticamente (bom, mais ou menos) atualmente, que é uma tarefa doméstica corrente e "oficial" com dia, hora e local estabelecido para ser realizada, é algo que comecei a fazer quando Alê nasceu.

E, mais engraçado ainda: ninguém se perguntou quem faria isso, ou se eu sabia como passar roupa (rá, não sei, fato consumado). Simplesmente comecei a fazer e mais um serviço doméstico se incluiu entre os demais, "naturalmente". Porque o pressuposto é que a mulher faça, que a mulher saiba. Tenha ela um caderninho ensinando ou não.

Lavagem de roupa - ensaboamento

"Peça por peça, passa-se sabão em tudo principalmente nas partes mais sujas e deita-se numa bacia.

É aconselhável despejar-se na mesma água quente.

Isso feito esfrega cuidadosamente todas as peças com especial atenção às manchas, em seguida lava-se em nova água limpa, ensaboa-se novamente e põe-se num coradouro apropriado (peças estendidas) regando-se de vez em quando, não as deixando secas; enche-se  novamente o tanque e deita-se a roupa tirada do coradouro. Peça por peça esfrega-se e torce-se deitando tudo numa bacia. Terminada assim toda a roupa repete-se até deixar água limpa. Passa-se a seguir em anil e estende-se com pregadores no varal.

Na falta de um bom coradouro, pode-se ferver a roupa pelo espaço de 15 minutos com uma boneca de cinza e junta-se à água meia xícara de querosene.

Bacias ou tinas: São precisas no mínimo 2: uma para roupa, outra para anil. 

A limpeza dos tanques deve ser feita com escovas."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Diagnóstico da saúde

"Sendo a saúde o capital mais precioso da vida e condição de felicidade individual e coletiva, é de interêsse de todos os conhecimentos dos sinais reveladores da mesma. Os principais sintomas são êstes:

Sinais físicos: Pele lisa, asseada, sem manchas, sem espinhas, sem cicatrises. Cabelos abundantes. Unhas íntegras. Dentes bem implantados, limpos, sem deformações, perfeitamente articulados, facilitando a mastigação. Olhos vivos, móveis, cobertos de pálpebras que fecham completamente, sem olheiras. Narinas iguais, indicando respiração normal e pelo nariz. Atitude do corpo sempre reta quer de pé, quer sentada ou andando. Articulações bem conformadas permitindo todos os movimentos que lhe são próprios sem dificuldades. Peito saliente.

Sinais funcionais: Peito sem abaulamento. Boa proporção entre a cabeça, o tronco e os membros. Mucosas rosadas. Ausência de varizes e hérnias. Amídalas não aumentadas pelo volume. Peso em relação com a altura e a idade. Crescimento normal. Bom apetite. Mastigação lenta e fácil digestão. Evacuação diária. Respiração pelo nariz, 16 a 20 movimentos por minuto. Capacidade vital de 3.500 no espirômetro.  Pulso cheio, ritmado, 70 a 80 pulsações por minuto. Temperatura axilar de 36,5º em média. Eliminação de urinas de 1000grs. em 24 horas sem elementos anormais. Voz timbrada, não nazalada, nem bitonal nem fanhosa. Sono tranquilo, em média 8 horas sem indisposição ao acordar. Ausência de dores. Não ter consciência da existência de órgãos internos.

Sinais psíquicos: Poder concentrar sem grande esfôrço tôda atenção ao trabalho. Iniciativa e responsabilidade. Confiança em si próprio. Horror à preguiça e à mentira. Boa memória. Coragem, prudência e perseverança. Curiosidade aguçada. Espírito de cooperação. Altruísmo. Generosidade. Paciência. Tolerância. Energia. Alegria. Calma."
(continua)

sábado, 23 de janeiro de 2010

Enquanto isso, alguns comentários.

* Esse caderno de Economia Doméstica é, com certeza, produto dos anos 1940: Segunda Guerra Mundial ou período imediatamente posterior ao seu final. As importações brasileiras caíram durante a guerra e não era possível contar muito com as exportações. O cenário era de cautela, daí - imagino - a ênfase na qualidade "econômica" atribuída à boa dona de casa;

* O homem não precisa ser instruído para se tornar um bom chefe de família: ele trabalha e provê o necessário ao sustento da casa. Ou alguém já viu manuais de educação masculina? À mulher cabe todo o restante. Ela sim é alvo de instrução, educação - inclusive no sentido formal, como o caderno da minha avó prova. O grosso da educação da mulher para a função de boa esposa, boa mãe e boa dona de casa é dado em casa, pela mãe, pela avó ou por tias, irmãs mais velhas.

* Similaridades, continuidades, permanências: existe hoje uma vastíssima gama de publicações dirigidas ao público feminino. Elas trazem receitas, truques domésticos, dicas de beleza, artigos sobre educação e sobre relações familiares, decoração e - uma grande diferença em relação a revistas femininas dos anos 1940 em diante - trabalho e sexo. Nesse último caso, novamente instrui-se a mulher no que fazer para "enlouquecer seu homem": pompoarismo, striptease, pole dance, depilação artística. De novo: não vejo por aí "manuais" ensinando homens a "apimentar a relação". São raros os casos.

* A mulher vive em um contexto de ambivalência: Mary Del Priore¹ identifica nas mulheres do Brasil Colônia a dualidade santa (representativa das qualidades desejáveis à boa mulher, identificada com a Virgem Maria)/puta (a mulher que transgride); a mulher no século XX transita entre a submissão ao poder masculino na esfera pública e o poder na esfera privada, já que ela é a responsável pelo funcionamento do lar.²

* A mulher hoje está livre do que o caderno de Economia Doméstica apregoa?

______________

¹ PRIORE, Mary Del. A mulher na história da colônia. In: PRIORE, M. D. Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil Colônia. Rio de Janeiro: Ed. José Olímpio., 1995.

² PROST, A.; VINCENT, G. (org.) História da vida privada, 5: da Primeira Guerra a nossos dias. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

Da dona de casa

"A alegria e o bem-estar no lar doméstico dependem quase sempre da boa dona de casa; não necessita de muitos gastos.

A alegria, o asseio e a ordem constituem seus principais embelezamentos. Se os objetos, móveis etc, em seus devidos lugares (um lugar para cada cousa; e cada cousa em seu lugar) reluzem, se o ar e o sol entram, formando um ambiente arejado, claro e confortável; a dona de casa terá criado para si e os seus um lugar de paz e harmonia, tornando assim a vida mais alegre e mais feliz.

O espírito de ordem, economia e asseio são qualidades básicas para uma boa dona de casa.

Se este espírito por for produto de um verdadeiro amor pelo bem-estar do lar doméstico, terá, sem dúvida, resultados benéficos, torna-se ela, seja esposa, mãe ou empregada, merecedora de respeito e confiança.

Se tôda mulher [ilegível: uma receita de bolo de abacaxi foi colada por cima] de sacrificar seus falsos caprichos pelo bem e assim contribuiria também pela glória de Deus, pelo progresso e pela felicidade da Pátria."

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

A mulher e o lar

"Por excelente que seja a educação científica, literária e artística de uma jovem, ou a sua profissão, ofício ou negócio, não servirá ela para mulher casada (dona de casa) se não tiver os indispensáveis no matrimônio para governo de casa do que tudo quanto lhe possam ensinar nas escolas. O valor do dinheiro e a sua aplicação; o valor nutritivo dos alimentos, e a melhor maneira de os preparar sem desperdício ou prejuízos; o arranjo e a limpeza dos aposentos, o cuidado com os enfêrmos, a manufatura de bordados e peças do vestuário, a judiciosa distribuição do tempo, do lugar, do trabalho e do dinheiro são outros tantos temas capitais dos estudos e da aprendizagem para as aspirantes ao matrimônio ou a boa dona de casa."

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Economia Doméstica

"É tudo o que se refere ao lar, dentro ou ao redor da casa; desde os cuidados que devem ser dispensados aos animais domésticos que habitam em o nosso quintal até os arranjos da habitação. O principal fim da Economia Doméstica é atrair a mulher para o lar, sua principal função social.

As necessidades da vida atual levam muitas vêzes a mulher a trabalhar fora de casa e por isso o governo pensou em criar nas escolas uma disciplina que dê bases sólidas às futuras donas de casa. Quereis vós saber o que faz uma nação? 'É o coração das esposas, das mães, das filhas, das irmãs e das noivas' (diz um pensador francês).

Se derdes a um povo mulheres (mães) fortes, corajosas e amigas do lar, podereis responder por esse povo por que ele saberá ser valente e patriota, invencível.

Em Economia Doméstica a principal parte é a que se refere à arte culinária.

A Economia requer um exame minucioso sôbre as necessidades e custos da vida atual. Desde a preparação de sabão, limpeza de metal, assoalho, paredes, roupas, etc."

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Do caderno

Em maio do ano passado meus avós foram morar na chácara onde viviam minha mãe e minha irmã. Houve uma grande reforma de cerca de seis meses e a casa foi aumentada, a cozinha foi adaptada, a rotina mudou. Antes eu cumpria o ritual de "ir à casa da vó". Agora meu filho vê avó e bisavós duma tacada só.

Ficou para trás uma casa gigante e ainda cheia de muitas coisas que jamais poderiam participar da grande mudança. Desde então o que ainda estava lá vai saindo a conta-gotas e fazendo parte de outros lares: móveis, livros, toalhas de mesa, utilidades domésticas, objetos de decoração. Gosto de olhar para as coisas e imaginar sua história antes de elas virem para minhas mãos.

Na última semana fizemos mais uma excursão para tentar separar melhor o que pode ser descartado e o que vai ser guardado, vendido ou doado. Tarefa demorada. Esvaziando um móvel da cozinha (candidato a fazer parte da minha nova casa, seja lá qual for ela e quando for acontecer) encontrei um caderno brochura, parcialmente encapado com uma estampa de revista: uma criança de maiô amarelo e touca branca, pescando em uma canoa; folhas amareladas e cheias de escrita em tinta azul e vermelha e de recortes de jornais e revistas.




De volta à chácara, mostrei à minha avó o achado, entre risadas. Ela se surpreendeu e riu também, explicando que era seu caderno de Economia Doméstica no ginásio. Muito tempo atrás.

Eu me senti folheando um gordo passaporte para um mundo muito diferente e às vezes um pouco parecido com o meu.